A solução para os planos de saúde é abraçar a governança corporativa
Roberto Gonzalez*
Os planos de saúde passam por uma grave crise no Brasil. E, por conta desta crise, tem aumentado o número de reclamações de clientes pelo fato de o convênio ter cancelado o contrato unilateralmente. O mais comum, no entanto, é a troca de uma clínica por outra. O problema aí é que o paciente se vê obrigado a parar o tratamento que fazia em um estabelecimento e recomeçar em outro que nem sempre fica próximo de sua residência ou não têm a mesma qualidade de atendimento. Ambos os casos parecem ser parte da estratégia para reduzir custos.
Vejamos aqui o caso mais noticiado. Segundo dados da ANS, em 2019, foram 10.777 queixas registradas por cancelamento unilateral de contrato. Em 2020, subiu para 11.651 e daí em diante não parou mais de crescer. Em 2021, foram 12.293 reclamações, em 2022, 12.887 e, em 2023, saltou para 17.345. A ANS (Agência Nacional de Saúde) analisa caso a caso. Certamente, há situações como falta de pagamento ou tentativa de fraude, que a operadora está certa em fazer isso. Mas não dá para acreditar que essas dezenas de milhares de registros sejam por estes motivos.
Não podemos esquecer que as operadoras são, sim, vítimas do imponderável, ou seja, daquilo que não está sob o controle delas. Fraudes com documentação para se obter reembolsos têm sido comuns. Para combater este crime muitas empresas do segmento estão investindo pesadamente em tecnologias baseadas em inteligência artificial para desmascarar o fraudador. Ao que tudo indica, com um bom grau de sucesso, porém, gerando um custo para reduzir outro. Se bem que o custo da tecnologia tende a ser menor e valer a pena, ao contrário do custo que se pode chegar caso nada seja feito.
O setor de saúde complementar é muito importante. Querendo ou não ele ajuda a diminuir a demanda no sistema público, que não é o que gostaríamos, mas que pode piorar muito caso o sistema privado quebre. Porém, temos de admitir que o setor não serve de exemplo quando o assunto é governança corporativa. E a tentativa de reduzir gastos a qualquer “custo” deixa isso bem claro. Boa parte do problema é culpa de má gestão ou de estratégias desenvolvidas em um determinado momento econômico sem pensar lá na frente, no longo prazo.
Ora, a economia brasileira vive de ciclos curtos de bonança. Normalmente os períodos de crise são mais longos. E isso tem de ser considerado em qualquer planejamento de negócio. Parte dos altos custos são resultado da imensa burocracia que só torna a experiência do paciente pouco agradável. Pegando a região metropolitana de São Paulo como exemplo, há convênios que, anos atrás, para atrair clientes, ofereciam uma rede credenciada ampla, espalhada por vários municípios. De repente, essa rede desapareceu e o cliente que reside nas cidades periféricas são obrigados a se deslocarem para clínicas localizadas no município de São Paulo.
Mas não foi vendido um plano com ampla assistência na cidade de origem do contratante? Então, por que não existe mais? Como é dado à operadora tanto poder de mudar as coisas a qualquer momento desconsiderando que a assinatura do contrato só ocorreu porque havia o benefício de se tratar perto de casa. Outro problema são os preços. Para atrair clientes, boa parte dos convênios e seguro saúde cobram valores baixos, mas depois, claro, a conta não fecha. E como os gestores tentam resolver? Cancelando contratos, reduzindo o número de clínicas e laboratórios conveniados ou trocando-os por outros que cobram menos e, em certos casos, prestam serviço ruim ou negando atendimento. Quem tem filho com necessidades especiais como Transtorno do Espectro Autista (TEA) sabe bem o que isso quer dizer.
E até quando se fala em fraudes, temos de analisar as razões. Uma parcela ocorre porque ocorreria em qualquer situação, já que indivíduos que gostam de levar vantagem em tudo sempre existem. Mas a prática de negar exames e procedimentos de ficar trocando a empresa conveniada ou até mesmo de limitar o número de agendamentos de forma que o paciente nunca consegue marcar a consulta ou exame em um prazo aceitável faz com que muita gente busque a solução “dando um jeitinho”. Afinal, o cliente paga e quer ser atendido. Não que um erro justifique o outro, pelo contrário, mas isso é o que acontece quando uma das partes não cumpre o que foi combinado.
Vale lembrar que na maioria absoluta dos casos, os clientes nem ao menos leem os contratos. Assinam aceitando todas as cláusulas sem contestação alguma. O que é uma baita vantagem para a operadora. Curiosamente é ela, em sua esperteza que sucumbe primeiro. Isso tudo é reflexo da falta de governança corporativa. É o retrato de empresas montadas para ter pouco tempo de vida. Nas últimas duas décadas, quantas empresas da área de saúde, inclusive de grande porte, fecharam as portas ou foram absorvidas por outras porque não tinham mais condições de se manterem no mercado?
Volto aqui a dizer que existe, sim, o imponderável. Muitos equipamentos e medicamentos são importados, sofrendo as flutuações do câmbio e da inflação de seus países de origem, além da própria instabilidade brasileira. Mas isso é de conhecimento de todos desde sempre. O que falta é um planejamento sério. E pior, as péssimas decisões ocorrem até na hora de cancelar contrato, pois tem sido comum a burla de normas da ANS, um grave problema de compliance, que pode resultar em multa e custosos processos movidos por quem se sentiu lesado. Está na hora dos gestores do setor abrirem o olho e abraçarem a governança corporativa como a solução para se manter saudável no mercado.
(*) Roberto Gonzalez é consultor de governança corporativa e ESG e conselheiro independente de empresas. É autor do livro "Governança Corporativa - O Poder de Transformação das Empresas"