Especialista aponta as razões para aceleração de pedidos de recuperação judicial no país
Advogada afirma que mecanismo de proteção é fundamental para empresas saírem da crise e enfrentarem o atual cenário político e econômico
O volume de empresas que ingressaram com pedido de recuperação judicial aumentou 80% nos primeiros quatro meses do ano, ante o mesmo período do ano passado. Segundo o Indicador de Falências e Recuperação Judicial da Serasa Experian, 685 processos foram aceitos pela Justiça nesse período, contra 382 do anterior.
O número de pedidos reflete uma série de dificuldades enfrentadas pelas organizações devido à alta da taxa de juros, que se intensificou em 2023, pressionando ainda mais as finanças das empresas, segundo Mara Denise Poffo Wilhelm, advogada, especialista em recuperação judicial e sócia-diretora do Wilhelm & Niels Advogados Associados, escritório que é referência nacional na reestruturação de empresas com dificuldades financeiras.
Além disso, ela aponta que a estagnação da economia e a concorrência com produtos importados também afetaram o desempenho das companhias. Esses fatores dificultam a geração de caixa e aumentam o endividamento, o que leva mais empresários a buscarem socorro por meio da recuperação judicial.
O grande contingente de inadimplentes no país é outro aspecto que contribui para processos de recuperação judicial. O levantamento da Serasa, de abril deste ano, mostra que 73,42 milhões de brasileiros estão inadimplentes, situação que acaba prejudicando a saúde das empresas. “O número representa uma parcela significativa da população economicamente ativa. As razões para esse índice são variadas e incluem fatores como desemprego, inflação elevada, baixos salários e falta de educação financeira”, analisa Mara Wilhelm.
A advogada cita ainda o cenário político, o excesso de gastos públicos, a taxa Selic com viés de alta, diversas alterações na legislação que causaram aumento de carga tributária, assim como a atuação do Judiciário, cujas decisões passaram a ser questionadas nesse cenário de crise das empresas, como mais razões para a quantidade de companhias em recuperação judicial atualmente.
“A insegurança jurídica está proporcionando uma sensação de desconfiança para as empresas, negócios e investidores, e isso não é bom para o ambiente de negócios”, observa.
Mara lembra que os reflexos da pandemia ajudaram a acelerar o início dos pedidos de recuperação judicial. “Durante o período de lockdown e outras restrições, muitas companhias enfrentaram quedas significativas nas receitas e aumento de custos operacionais. Além disso, medidas emergenciais adotadas para mitigar os impactos imediatos da crise sanitária resultaram em um aumento substancial do endividamento corporativo”.
Desmistificando a recuperação judicial - O assunto recuperação judicial começou a ganhar ampla repercussão na mídia nacional especialmente pelo caso da Oi, considerada uma das recuperações com maior repercussão e vulto econômico por atingir no país milhares de credores, como pessoas físicas, empresas e instituições financeiras. Após, Odebrecht, OAS e Galvão Engenharia, empresas envolvidas na Lava Jato, despertaram o interesse jornalístico pelo instituto recuperacional.
Envolta em supostos escândalos de fraudes, a gigante varejista Americanas, no início de 2023 entrou em recuperação judicial, causando temor no mercado financeiro. Atualmente segue no processo, enxugando estruturas físicas e reduzindo custos e gastos operacionais. A Americanas, seguida da Light e da Oi, totalizam juntas 141 bilhões de dívidas, segundo reportagem do portal Infomoney.
Mara explica que a recuperação judicial e extrajudicial são ferramentas valiosas para empresas que enfrentam crises financeiras, uma vez que oferecem a chance de reorganizar dívidas e evitar a falência. Ela observa que empresas de menor porte, quando veem as gigantes buscando esse recurso, também se motivam a seguir a estratégia para a reestruturação.
Entre os benefícios, ela cita a suspensão das ações executivas em andamento, o que fornece mais fôlego para a companhia preparar um assertivo plano de recuperação judicial, o alongamento e parcelamento das dívidas, além do deságio das obrigações (desconto da dívida), como as propostas mais comuns apresentadas. Destaca, ainda, que para dívidas tributárias há excelentes descontos obtidos por meio de transação tributária.
A escolha entre os dois tipos de recuperação depende das especificidades das dívidas e das necessidades da empresa. “Enquanto a recuperação judicial garante uma proteção mais robusta e a possibilidade de incluir dívidas trabalhistas, a recuperação extrajudicial é mais rápida e menos custosa”, observa.
“Independentemente do caminho escolhido, é essencial que as empresas adotem uma abordagem estratégica e transparente, buscando sempre o equilíbrio entre seus interesses e os dos credores e empregados. Com uma gestão cuidadosa e o suporte adequado, é possível superar os desafios e reerguer a empresa, garantindo sua continuidade e contribuindo para a estabilidade econômica e social”, finaliza Mara Wilhelm.