Lei respalda recuperação judicial em times de futebol
Legislação estimula clubes a migrarem de associação civil sem fins lucrativos para empresarial. Especialista detalha etapas do processo que garante reequilíbrio financeiro às agremiações
Clubes de futebol no país enfrentam crises financeiras que ameaçam sua sobrevivência e desempenho esportivo. Endividamentos crônicos comprometem o fluxo de caixa, impedindo investimentos necessários para o sucesso em campo. Nesse contexto, a recuperação judicial surge como uma solução eficaz para reverter essa situação.
“Um dos principais benefícios da recuperação judicial é a reorganização do fluxo de caixa. Com a suspensão temporária das execuções judiciais e a renegociação de dívidas através do plano de recuperação apresentado, os clubes conseguem reduzir a pressão financeira imediata, permitindo que recursos sejam direcionados para áreas estratégicas. Isso inclui a contratação de jogadores, a melhoria das instalações esportivas e o investimento em categorias de base,” diz Mara Wilhelm, advogada, especialista em recuperação judicial e sócia-diretora do Wilhelm & Niels Advogados Associados, escritório de Blumenau que é referência nacional na reestruturação de empresas com dificuldades financeiras.
A recuperação judicial é um mecanismo legal que permite empresas em dificuldades financeiras reestruturarem suas dívidas e operações, evitando a falência. Para os times de futebol, essa ferramenta possibilita a renegociação de contratos, a suspensão de execuções judiciais e a reorganização financeira, criando condições para um gerenciamento mais sustentável e eficiente.
O processo assegura, por exemplo, a interrupção temporária do pagamento de dívidas durante 180 dias, evita que haja bloqueios judiciais e a continuidade de qualquer execução. Este prazo eventualmente pode ser prorrogado até que ocorra a Assembleia dos Credores, ato em que os credores se reunirão para votar o plano de reestruturação e pagamentos. Os clubes também costumam propor, além de um período de carência para iniciar os pagamento, deságios em torno de 75% a 90% nas dívidas.
O instrumento é pedido por agremiações que estão em situação de insolvência, quando as receitas não cobrem as despesas e há dívidas previamente acumuladas na instituição, mas precede de um trabalho rigoroso de reestruturação, entre eles a transformação da natureza societária de associação civil sem fins lucrativos para Sociedade Anônima do Futebol (SAF), caso ainda não tenha optado por esse tipo societário.
Times sob recuperação judicial
O catarinense Figueirense foi o primeiro do país a pedir a recuperação extrajudicial, no início de 2021. Na época, estava com uma dívida de R$ 165 milhões, sendo que em 2023 ele ingressou com o pedido de Recuperação Judicial, e agora aguarda a realização da assembleia de credores.
Segundo Mara Wilhelm, quando o formato de empresa passa a ser adotado, há a chance de haver um investidor que assume o papel de proprietário (majoritário ou não) das ações. Ou seja, o clube passa a ter um dono.
O Cruzeiro anunciou que finalizou a terceira fase de pagamentos da Recuperação Judicial da associação em agosto deste ano. A primeira etapa começou em novembro de 2023. De acordo com o clube, a RJ do time beira os R$ 500 milhões.
Paraná (PR), Joinville (SC), Santa Cruz (PE), Guarani, Rio Branco de Americana e MAC (SP) também recorreram à RJ.
Em notícia recente, foi divulgado um relatório produzido pela multinacional contratada pelo Corinthians para consultoria e planejamento estratégico. O documento aponta um endividamento do time de cerca de R$ 2,1 bilhões. Sugere recuperação judicial, além de transformar o clube em uma Sociedade Anônima de Futebol (SAF), e que se seguir os passos dos clubes acima citados, com o pedido de uma recuperação judicial, deverá ser a maior até então ajuizada nesse segmento.
Processo de recuperação judicial em times de futebol
Pedido protocolado ao Juiz da Competência da Sede Social: O clube deve solicitar formalmente em petição, com todos os documentos comprobatórios necessários para o ingresso da recuperação judicial ao Juiz Estado, detalhando suas dívidas, provando através de balanços e fluxo de caixa a dificuldade financeira e explicando as motivações que o levaram a essa crise e do risco de insolvência.
Congelamento das dívidas: Após a deferimento do pedido de processamento da recuperação judicial, todas as execuções ficam suspensas por 180 dias, dando ao clube um alívio imediato nas finanças, enquanto elabora o plano de pagamento detalhado, que deverá ser apresentado em 60 dias após o protocolo do pedido inicial.
Elaboração do plano de reestruturação: O plano será subdivido em propostas para as mais variadas classes de credores, sendo credores trabalhistas, garantia real, quirografários e de ME/EPP, e vai propor a forma de pagamento para cada classe. As propostas mais comuns são os deságios no montante da dívida que variam de 60% a 90%, carência de um a dois anos para iniciar os pagamentos, redução de juros e principalmente um aumento no prazo de pagamento da dívida comum de 10 a 12 anos. Além do plano de pagamentos, o clube pode prever mudanças estruturais e estratégicas que viabilizem o seu soerguimento.
Aprovação pelos credores: Após ser aprovado por um quórum mínimo de credores, o clube deverá iniciar os pagamentos tal como as regras aprovadas no plano, sob risco de falência em caso de descumprimento.
“Com uma gestão profissional e transparente, controles internos rígidos e prestação de contas regular, os times podem se blindar contra novas crises. O plano de recuperação deve ser bem elaborado, considerando as peculiaridades do setor esportivo, como a previsão de receitas futuras de direitos de transmissão, patrocínios, necessidade de investimentos em infraestrutura e categorias de base, e uma gestão financeira profissionalizada”, finaliza Mara Wilhelm.,
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