Título de empresa fica atraente para pessoa física
Incentivo ao crédito de longo prazo cria oportunidade para pequeno investidor
O pacote de estímulo ao financiamento de longo prazo, que zera o Imposto de Renda para papéis que financiarem obras de infraestrutura, abrirá ao pequeno investidor uma oportunidade de aplicação com ganhos superiores aos pagos pela dívida do governo, que compõem a maioria dos fundos em renda fixa.
Como são papéis de empresas, os juros serão sempre superiores aos da dívida pública, considerado o menor risco de quebra no país.
Já o risco da operação poderá não ser tão superior assim, uma vez que esses papéis passarão pelo crivo do governo e do BNDES.
As últimas debêntures (papéis de dívida privada que rendem juro) de três anos do BNDESPar, lançadas na semana passada, por exemplo, saíram a 12,5% ao ano -acima da Selic (10,75%).
A expectativa é que os futuros papéis de infraestrutura tenham taxas superiores também às pagas pelas debêntures do BNDESpar.
DIFICULDADES
O ponto negativo é a dificuldade de vender esses papéis antes do vencimento, apesar de o próprio BNDES trabalhar para facilitar a "revenda".
"O risco é até baixo, mas a liquidez desses papéis é apenas uma promessa. O BNDES já mentiu sobre isso na emissão de suas próprias debêntures", disse Ricardo Almeida, professor de finanças do Insper, referindo-se à baixa liquidez das debêntures do banco de investimento.
Segundo Fabio Colombo, administrador de investimentos pessoais, há dúvidas se os atuais fundos de investimento poderão comprar esses papéis e repassar o benefício fiscal ao cotista.
Isso porque a Receita obriga o recolhimento de IR na fonte a cada seis meses, o chamado "come-cotas".
"Da maneira que estão estruturados hoje, os fundos provavelmente não vão conseguir aproveitar isso. Talvez tenham que ser criados outros fundos. Precisamos ver a regulamentação dessas medidas", disse Colombo.
Para ele, os novos papéis de infraestrutura não devem competir com investimentos mais simples, como a poupança e os fundos de investimento. O maior concorrente será o Tesouro Direto, site do governo para venda de papéis públicos.
"Não se pode esquecer que há, sim, risco de crédito [calote]. Tem que estar bem informado. E isso é complicado para pessoas que aplicam em fundos normais."
Medida representa nova fase para infraestrutura, diz entidade
O presidente da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base), Paulo Godoy, disse ontem que o pacote de financiamento de longo prazo anunciado pelo governo é a medida mais "estruturante" já anunciada no país.
De acordo com Godoy, o novo tratamento tributário nesse tipo de operação criará novas fontes de recursos orientados ao investimento. A medida expande as fontes e tira a concentração sobre o BNDES.
"Vi hoje muita gente elogiando a medida, mas me parece que ninguém se deu conta do que ela pode significar. É uma medida estruturante não só para o investimento na infraestrutura mas para o desenvolvimento do país", avaliou.
Godoy considera que detentores de projetos de infraestrutura vão buscar habilitação para ter acesso aos recursos. O sistema financeiro também deverá criar fundos para investir em debêntures de projetos. (AGNALDO BRITO)
Habitação ganha impulso com pacote
Bancos poderão utilizar melhor os recursos captados na caderneta de poupança para financiar a casa própria
Secretário-adjunto da Fazenda, porém, ainda vê entraves para que medidas impulsionem mais o mercado
TATIANA RESENDE
TONI SCIARRETTA
O financiamento habitacional pode ganhar novo impulso com o pacote de incentivo ao crédito de longo prazo. Uma das medidas permitirá aos bancos fazer mais empréstimos utilizando os recursos da poupança.
Atualmente, as instituições financeiras são obrigados a direcionar 65% dos depósitos da caderneta para financiar a casa própria.
Quando não conseguem atingir esse patamar, a parte que falta é recolhida como depósito compulsório no Banco Central.
Se o banco "vende" parte desses empréstimos para reciclar os recursos, corre o risco de ser obrigado a recolher mais dinheiro ao BC.
A novidade é que as instituições terão agora 36 meses para "diluir" o impacto de créditos vendidos antes de ficarem desenquadradas.
"É um estímulo para o banco que não fazia isso [vender parte dos empréstimos] entrar nesse mercado e criar uma alternativa estratégica de captação [de dinheiro]", afirma Fernando Brasileiro, presidente da Cibrasec, maior securitizadora do país.
Para Dyogo de Oliveira, secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda, a medida fortalece esse mercado, mas ainda há dois grandes entraves.
O primeiro é o desinteresse dos bancos em se desfazer de empréstimos rentáveis.
O outro é convencer os aplicadores a optar por esse título, mesmo tendo papéis de longo prazo com retorno maior no mercado.
DILUIÇÃO
Os empréstimos vendidos só podem ser considerados por três anos nas contas para efeito de enquadramento nas regras e, ainda assim, com redução de 1/36 a cada mês.
Segundo Oliveira, o período e a gradação para a diluição foram definidos para elevar o tamanho dos lotes.
Na avaliação de João Crestana, presidente do Secovi-SP (sindicato da habitação), o pacote é muito oportuno ao estimular os bancos a buscar alternativas de recursos para financiar a habitação, além de FGTS e poupança.
Líder em financiamento habitacional no país, a Caixa Econômica Federal havia anunciado que faria ainda neste ano a primeira operação de venda de empréstimos para testar o apetite do mercado de capitais por esses papéis. Essa emissão inicial era estimada em R$ 500 milhões, de acordo com Jorge Hereda, vice-presidente de Governo do banco federal.
Procurados, Caixa e Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança) não se pronunciaram ontem.
Os números comprovam a expansão acelerada dos empréstimos com recursos da poupança. Entre janeiro e outubro, os financiamentos somaram R$ 44,9 bilhões, 69% a mais do que no mesmo período de 2009 e mais do que o dobro do valor contabilizado em todo o ano de 2007.
ANÁLISE
Desafios para desenvolver o crédito de longo prazo no país
FERNANDO CAMARGO
JOÃO BRANDO
A
O governo federal acaba de anunciar pacote de estímulos ao crédito privado de longo prazo voltado para infraestrutura. Com isso, busca complementar o BNDES, de longe o principal provedor de recursos de longo prazo na economia brasileira.
O diagnóstico parece claro: o capital privado ainda não conta com incentivos suficientes para suprir crédito com prazos longos, taxas compatíveis com retornos da infraestrutura (estáveis, mas relativamente baixos) e, principalmente, em volumes que atendam à demanda por novos investimentos.
As medidas anunciadas buscam essencialmente estimular a demanda por debêntures ao desonerar do IR e da Contribuição Social (CSLL) os rendimentos desses papéis, de 34% para 0% no caso de pessoas físicas e estrangeiros, e para 15%, no caso de pessoas jurídicas.
O pacote cria também um fundo para estimular a liquidez desses papéis no mercado secundário (vale dizer, sua compra e venda antes do vencimento) e isenta do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) tais transações.
Assim, combina-se incentivo fiscal à captação privada de longo prazo e apoio à liquidez no mercado secundário, tudo para elevar a demanda por esses papéis e, com isso, permitir taxas de juros compatíveis com as taxas de retorno (TIR) da infraestrutura.
Hoje, essas debêntures são demandadas basicamente pelos fundos de pensão, pelo próprio BNDES -o banco estatal já está preocupado em estimular esse mercado- e por poucos estrangeiros.
Espera-se que se tornem opção para investidores que hoje compram títulos públicos e privados já isentos (por exemplo a poupança).
Há, com isso, uma decisão clara de incentivar a captação privada para infraestrutura em geral, da mesma forma com o incentivo ao alongamento da dívida pública e ao "funding" [fonte de financiamento] para habitação, uma vez que são essas as poucas modalidades já isentas de IR/CSLL.
Dado o cenário de elevada liquidez com baixas taxas de juros no mercado internacional e bons fundamentos econômicos no Brasil, é possível que haja recursos suficientes para todas essas demandas, públicas e privadas, de habitação e infraestrutura.
O próprio BNDES poderá captar via mercado de capitais, reduzindo a pressão sobre resultados fiscais.
Dada a necessidade de investimentos estimados em cerca de R$ 5 trilhões para infraestrutura, saneamento e habitação até 2012, estimular o crédito privado de longo prazo a um custo fiscal reduzido (renúncia estimada em R$ 600 milhões) é decisão acertada.
FERNANDO CAMARGO e JOÃO BRANDO são economistas de Investimento e Finanças da LCA